terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O Primeiro Goleiro Artilheiro

Goleiro brasileiro (de preto) foi o primeiro a marcar um gol na história do esporte

Ainda falando sobre goleiros, vimos que na última semana eles foram destaque (notadamente no Campeonato Carioca) marcando gols importantes nas partidas em que disputavam. De uns tempos para cá a função de um arqueiro deixou de ser apenas evitar os gols adversários, passou a ser fazê-los também. Em sua imensa maioria são marcados de falta ou de pênalti, mas alguns deles se aventuram na área oposta para tentar um cabeceio ou um rebote naquelas horas de desespero, quando suas equipes precisam do gol. Sem falar de outros tantos que contam com uma ajudinha da sorte (leia-se vento forte a favor, campo irregular ou falha do goleiro do outro time) num chutão para frente num tiro de meta ou numa falta.

Os gols de goleiro começaram a ficar mais constantes depois que o excêntrico colombiano René Higuita se insinuou a marcá-los. Depois foi a vez do paraguaio José Luís Chilavert, que cobrava faltas com perfeição. Também tivemos o alemão Hans-Jörg Butt, do Hamburgo, que era o cobrador oficial de pênaltis de sua equipe. No Brasil a moda pegou com o sãopaulino Rogério Ceni, o maior goleador do mundo de sua posição na atualidade com 85 gols, e está sendo seguida pelos arqueiros Bruno e Tiago, de Flamengo e Vasco respectivamente.

Observando tudo isso me impus um desafio: encontrar o primeiro goleiro a marcar um gol na história do futebol que se tem notícia. Eu já tinha conhecimento de como e em que época havia sido marcado (sem precisar, contudo, a data), porém faltava o principal: quem fez! Não foi fácil e foi preciso muita busca nos arquivos das federações de futebol pelo mundo a fora pela internet. Mas como bom brasileiro que nunca desiste, encontrei a informação! E, para surpresa total deste que lhes escreve, a façanha foi realizada por um brasileiro! Vejamos a seguir.

O ano foi o longínquo 1938, mais precisamente no dia 08 de maio, durante a decisão da Copa da França entre Olympique de Marseille e FC Metz. A partida terminou 2 a 1 para o primeiro e seria mais uma final como outra qualquer se não fosse um dos gols que entrou para a história do futebol. O confronto estava 1 a 0 para o Metz quando o zagueiro Laurent fez pênalti em um atacante adversário aos 22 minutos do primeiro tempo. Para surpresa dos cerca de 33 mil espectadores presentes ao Parc des Princes, em Paris, eis que o goleiro do OM sai de sua meta em direção à área adversária, coloca a bola debaixo dos braços e se prepara para cobrá-lo. Suspense e euforia nas arquibancadas do estádio. O arqueiro bate o penalidade e desloca seu companheiro de posição decretando o empate. Esse mesmo jogador não foi só o herói da decisão simplesmente pelo gol feito, mas também por ter defendido um pênalti aos 28 minutos da segunda etapa chutado pelo atacante Donzelle que garantiu a vitória do Olympique e, consequentemente, o título do torneio.

Nos dias seguintes os jornais franceses estampavam em suas principais manchetes algo do tipo "Foi um lance sensacional! Um arqueiro fazer um gol contra o adversário!" ou "Em nossa cidade jamais houve um caso, em partida oficial, de um arqueiro cobrar um penalti". Até o então presidente francês, Albert Lebrun, cumprimentou o atleta pessoalmente por tamanho feito.

O goleiro em questão era o brasileiro Jaguaré, que iniciou sua carreira no Atlético Santista em 1926 e também atuou pelo carioca Vasco da Gama. Ele, ao lado de Amphilóquio Guarisi (ou simplesmente Filó), foi o brasileiro pioneiro nas transferências internacionais quando foi vendido ao Barcelona da Espanha em 1932. Apesar da imensa habilidade com a bola nas mãos também era um exímio transgressor de regras, e entrou para a história não só pelo fato de ter sido o primeiro, mas pela ousadia do arqueiro de "peitar" os companheiros de linha e se deslocar de sua meta até a área adversária para cobrar o pênalti, algo até então jamais cogitado em uma partida de futebol - ainda mais em uma decisão como ocorreu.

Jaguaré Bezerra de Vasconcelos tinha uma enorme capacidade tanto dentro do campo como fora dele - no primeiro caso com sua imensa habilidade e, no segundo, pela maneira irreverente e despretensiosa como encarava a profissão e a vida. Nascido em 14 de maio de 1905 no Rio de Janeiro/RJ, Jaguaré iniciou sua carreira tarde para os padrões atuais - aos 21 anos no amador Atlético Santista/SP. Antes de aventurar-se no mundo da bola trabalhava como estivador no Moinho Inglês. Seu estilo arrojado de defender o gol e suas "traquinagens" nas partidas eram certeza de encantamento e diversão para o público presente. Tanto que suas atuações chamaram atenção do Vasco da Gama em 1928 e para lá rumou, onde permaneceu até 1931 e ajudou o clube a faturar o título carioca de 1929. Com a grande campanha do time cruzmaltino foi convocado para defender a Seleção Brasileira em 3 oportunidades entre 1928 e 29.

Nesse mesmo ano, como premiação pela conquista, a direção vascaína promoveu uma excursão do clube até Portugal. Após algumas partidas amistosas Jaguaré ficou encantado com a forma totalmente profissional com que os europeus tratavam o futebol. Em 1932, a seu próprio pedido, transferiu-se para o poderoso Barcelona da Espanha juntamente com seu companheiro Fausto - o "Maravilha Negra". No "Barça", entretanto, suas peripécias não eram muito bem aceitas pelos profissionais que administravam o time. Seu nome já era falado nos 4 cantos do Brasil, pois ele, Fausto e Filó (este na Lazio/ITA) eram os únicos jogadores brasileiros de futebol que atuavam profissionalmente na Europa àquela época. Ficou na equipe catalã por um ano e voltou para o futebol brasileiro para jogar pelo Corinthians. Dois anos mais tarde, em 1936, retornou à Europa, mais precisamente para o Olympique de Marseille da França, onde entrou para a história.

Durante suas férias no Brasil sempre comparecia aos treinos do Vasco e até participava deles. A torcida, já idolatrando o jogador, lotava as dependências de São Januário para vê-lo em ação. Como bom brincalhão que era chegava usando terno branco e chapéu chile levemente pendido para o lado. Quando voltava dos vestiários trazia boné e luvas tal qual os goleiros europeus. Esse fato fez com que Jaguaré fosse o primeiro goleiro brasileiro a usar luvas em uma partida de futebol.

Quando ainda atuava em terras brasileiras, Jaguaré tinha facilidade de colecionar fãs na mesma proporção que criar desafetos. Com seu gênio moleque atordoava os adversários com suas "gracinhas" em campo e explodia de alegria os torcedores no estádio. O goleiro quase sempre fazia algum tipo de promessa para desmoralizar o clube no qual ele iria enfrentar no próximo confronto. E essas palavras sempre irritavam profundamente os atletas das outras agremiações - e as promessas quase sempre eram cumpridas. Em uma partida entre Vasco e Bangu prometeu à torcida que iria driblar o atacante Ladislau, que já entrou em campo bastante irritado com o fato. Em determinada disputa de bola com o oponente, Jaguaré deu um lençol num primeiro momento. Quando o centroavante tentou retornar para tomar a bola, levou outro "chapéu" com direito a bola girando no dedo indicador do arqueiro após o lance genial.

Suas brincadeiras excessivas em campo quase lhe custaram o emprego no time francês. Certa vez, em uma partida contra o Racing pela Copa da França, Le Jaguar, como era conhecido por lá, fez uma defesa de bicicleta. Em outra ocasião, dessa vez na Inglaterra, atirou a bola na cabeça de um adversário após fazer a defesa. O árbitro da partida paralisou o jogo e comunicou ao então capitão do Olympique que não iria permitir outra atitude como essa. Ainda assim puniu o time francês com um tiro livre indireto (nos dias atuais além da falta o arqueiro seria fatalmente expulso pela agressão). Mesmo com todas essas polêmicas ajudou o OM a conquistar o Campeonato Francês de 1937 e a Copa da França de 1938, na final em que fez o primeiro gol de goleiro da história do futebol.

Em 1940, com o andamento da II Guerra Mundial na Europa, retornou ao Brasil amedrontado com a atual situação dos países europeus. Tentou acerto com o carioca São Cristóvão, mas logo abandonou o futebol aos 35 anos. Perdeu tudo o que havia ganho com o futebol no Velho Continente e voltou a trabalhar como estivador. Desapareceu como um encanto e não deu mais notícias. Sua última aparição foi em uma matéria de jornal, com data de 27 de outubro de 1940, onde aparecia morto por espancamento após provocar uma briga com policiais em Santo Anastácio, no interior de São Paulo.

Nos dias atuais não é incomum ver um goleiro subir até a área adversária e se arriscar num cabeceio durante um escanteio, cobrar faltas e pênaltis. E esses feitos muito se devem a Jaguaré, que deixou um importante legado de irreverência e ousadia para o futebol - que os digam René Higuita, José Luís Chilavert e Rogério Ceni.

Abaixo, dados e estatísticas do irreverente goleiro artilheiro.
- Nome: Jaguaré Bezerra de Vasconcelos
- Nascimento: 14 de maio de 1905 no Rio de Janeiro/RJ
- Posição: goleiro
- Apelido: Le Jaguar
- Clubes (6): Atlético Santista (1926/27), Vasco da Gama (1928/31), Barcelona/ESP (1932/1933), Corinthians (1934/35), Olympique de Marseille/FRA (1936/39) e São Cristóvão (1940)
- Títulos (3): Campeonato Carioca (1927), Campeonato Francês (1937) e Copa da França (1938)
- Seleção Brasileira: 3 partidas entre 1928 e 1929

Fonte: http://futebolhistoria.blogspot.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário